quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Necessidade

Caminhou sozinho pela estreita rua em busca da lua e acabou entrevado no seu próprio vento, refazendo sua busca pela orla da praia à procura de um só motivo. Calou-se quando viu os movimentos suaves caminhando pela longa faixa de areia e quis chegar-se próximo. Nesta hora uma mão estendeu-se e o fez parar para pensar.
__O que vale a pena? - interrogou-o a voz.
__Não sei, a solidão? - retrucou em dúvida.
Continuou parado por uns minutos somente observando. Sentou-se sobre as mãos e quis chorar, mas não o fez, engolindo tudo de seu coração. Lembrou-se das noites em plena ajuda, em pleno luto por sua morte estar tão ávida por vida. Apenas ficava observando um retrato mal posicionado na parede ilusória.
O ambiente estava agradável e contudo ele não percebia. Os olhos o miravam com certeza de luz! Ele não via, não queria ver? Pois que visse! Estava ali, toda sua, toda derretida. Continuava sentado. A necessidade era de uma palavra, uma atitude? Ele estava ali sentindo algo que seu coração não suportava. Não sabia se queria correr, ficar, desaparecer, deixar o vento apenas soprar o perfume que vinha carregado de lembranças...
Não percebeu...
__Eu lhe vi aí parado, quase que desfalecendo... quis me aproximar, mas você estava tão longe... tive medo de atrapalhar alguma coisa... - ela falou docemente.
Ela tinha os braços largados junto ao corpo, que se mantinha ereto. Os cabelos estavam soltos e tinham vida, tinham o vento para lhes dar vida! Sua posição permitia ao sol iluminá-la de tal forma que parecia um anjo, mas ele não a via. Ele estava tão triste.
Levou sua mão até os ombros dele e sussurrou algumas palavras...
__Desencana, pois vou levá-lo aos céus com este mel que trago junto de meu coração. - ela disse docemente.
__Pensei que fosse falar comigo somente na hora da necessidade, quando de mim estava precisando. - ele começou por baixo - Todas as vezes em que eu pensava nos reflexos seus eu emitia sons estranhos, mesmo pra mim, e queria que não tivesse começado, que nada tivesse começado. Você desapareceu num instante, tão logo me viu feliz... - ela o interrompeu neste instante.
Talvez ela quisesse somente descansar, mas ele não percebia isto. Estava sensibilizado com sua busca. Ele pensava...
"Tudo em vão? E o futuro grandioso poeta? Onde é que está?"
__Vamos acompanhar a orla? - ela o convidou estendendo a mão. Aceitou... - Preciso lhe dizer que caminhos são caminhos, tortos ou não, felizes ou não, seu ou meu.
__Gozação? - se matou de rir, mas uma risada gostosa de se ouvir, tanto que ela riu junto.
__Tira estas coisas de sua cabeça, não pense em nada que não seja o tempo que corre, que fica, que passa e que transforma nossa existência. Compreende? - quando ela terminou ele não estava mais lá...
Estava em casa, sozinho, pensando... onde estava a necessidade? Numa ponta de lápis a escrever remetendo ao medo de seguir livre!
Dorme meu amigo...
Ela ficou parada vendo a lua que chegava e da orla ela já pensava...
"Eu sei onde posso encontrá-lo." - foi-se embora... desistindo da noite só...

sábado, 22 de novembro de 2008

Alta Definição

Corria como um louco para que tudo fosse terminado a tempo. Desde as horas iniciais do dia já se preocupava com cada detalhe. Era a oportunidade, a grande! Foi frustante, passista de escola de terceira, mas foi trazendo luz num momento delicado da noite. Foi embora sem dizer adeus, disse apenas 'olá'. Chegou e se sentou, no ar seu perfume foi marcando. Meus olhos novamente foram se perdendo e gelando. O calor estava ali, minha boca estava ali, minha dúvida também. __Quantos dias foram precisos para que tudo ficasse pronto? - ela perguntou sem saber do que ía aqui. __Não me lembro mais, mas foi muito difícil, tive que colocar minha vida em "stand by" para deduzir os pensamentos que me atordoavam. - retruquei. As mãos passeavam no ar. O vento mexia os cabelos e os olhos que mantinha apertados vez por outra miravam os meus. O que ocorria? Era apenas a ilusão, mas em alta definição, estava ali tão perto e tão longe de tocar, massagear o pescoço liso e perfumado. Tocar os lábios bem feitos e rosados, finos e profundos! Estava ali e só precisava de um sim, um talvez talvez fosse aceito, mas um sim... ah este sim!... seria o auge! Escrevia com o coração as linhas em que pássaros voavam como voam os sabias laranjeiras, imponentes! Quando aparece traz toda sua beleza como se fosse um tiro surdo e alto. Assim trazia seu olhar até minha presença... Levantou os olhos finalmente. __Você canta todos os dias sua vida alheia? Percebe o que falamos e traduz pro dia? Tudo se perde aqui neste meio, certo dia você disse sentir aquelas nuances em que tudo aparece meio nublado... - ela dizia até que interrompi. __Sim. estas coisas são tão claras! Não nubladas... Percebo cada dia, minuto, segundo como sendo um momento em que a construção de algumas letras transformando-se em palavras e em frases e em textos. Tudo tão bem inspirado... - ela me interrompeu. __Cale-se! O que é isto? __Não sei, não sei o que estou dizendo... O tempo continuou rasgando e a oportunidade cada vez mais distante. Realmente nada era como se esperava ser, mas tudo pode ainda estar bem. Talvez os dias possam ser mastigados com sabor de desejo incógnito e digerido com paciência para nos trazer o que queremos. É isso sim. Isto que deverá acontecer. Ele percebeu. __Até mais... - foi falando levantando a cabeça, mas ela não mais estava - que Deus lhe alcance e que sua noite seja de bom sono - falou tristemente e voltou para o meio da multidão. Ela sentiu assim um aperto no coração de onde dirigia seu carro e uma lágrima escorreu com intensidade, foi feito lua cheia, o quanto seu coração se encheu, era tudo em alta definição o que seus sentidos enxergavam...

domingo, 19 de outubro de 2008

A estreita curva

CRiando forças, Fernando foi se arrastando pelas encostas daquele trecho da rodovia. Temia não estar na casa de sua namorada na hora marcada para dar-lhe os parabéns. Era dia de festa, mas ele agonizava ainda, um pouco mais, na beira da estrada. Sua moto estava atirada ao chão de asfalto, ainda com o motor ligado, zunindo em sua cabeça, seus ouvidos...
CResce menino!!
O que está havendo comigo, Mere?
Nada, você se esqueceu de novo?
Não, está aqui o seu presente! Veja, um lindo par de chinelos!
O que eu vou fazer com um par de chinelos e ainda de madeira?! - tinha um ar de zomba.
É que... é que eu... - ficou sem jeito.
CRava aqui esta estaca. O corpo deste rapaz vai ter que passar pelo IML para vermos se estava drogado. Achamos este papelote aqui ó na blusa dele.
Que saco! Moleque sem noção. Jovem. Tem algum número de telefone aí que possamos ligar, celular, tem um celular dele aí?
Calma chefe, já ligamos. Atendeu uma tal de Mere e já está vindo pra cá com os pais dele.
Os ventos acresciam ritmo ao movimento das folhas das bananeiras. Fernando estava sentado numa pedra perto da praia de Maresias. Seu corpo já não agonizava, porém já iniciava o processo de putrefecimento. Para ele isto já não era importante. De repente ele levantou-se num salto só. Mere descia pela rua abraçando sua mãe, dona Martinha, e seu pai vinha um pouco à frente, seu Geni. Correu na direção deles de braços abertos e gritando alegremente!
Mere!!
Ela não ouvia...
Mere! Mamãe!!
Nada. Ele nem reparou seu corpo ali esticado e coberto. O policial abriu uma parte do saco deixando à mostra sua face. Era ele. Dona Martinha desabou juntamente com Mere. Seu Geni tinha um ar áustero e manteve sua postura intacta, mas internamente seu corpo queimava. Veio à sua mente como um cometa todos os momentos ao lado de seu filho; quando ensinou-o a jogar bola; a primeira bicicleta; os longos abraços nos fins da tarde; o cheiro de seu filho num beijo de boa noite. Mas ainda estava com a feição séria e mascaradamente inabalável. Qualquer insensível que ali presenciasse aquela cena diria que ele não sentira a perda do filho. Ele só teve forças de dizer, em voz baixa e quase imperceptível:
Nando, meu filhinho, descanse em paz!
E agora "mané", quem banca o prejuízo?
Isto é entre você e o patrão. Foi idéia sua solicitar os serviços deste moleque! Nem dois meses de carteira de motorista e ainda por cima estava iniciando no ramo. O trato é fazer o serviço próximo e aos poucos ir afastando o endereço.
Eu sei e "tô" ferrado! São dois "paus" meu!
Vê lá ein, pede prazo e paga. É melhor. Ah, o moleque que abordamos ontem deu queixa, mas já estamos tomando as "providência".
A caixa estava intocada no canto do quarto dele. Mere entrou na casa e foi abraçar dona Martinha que a acompanhou até o quarto e entregou a ela o embrulho. Mere abriu com cuidado para não rasgar o papel de presente. Dentro havia um par de chinelos e uma carta. Chinelos de madeira trabalho com vime. A carta era um poema de quatro versos, um quatrix:
Quatrix Amor
Amor que se vela
Pelo mar onde linda te vejo
Te abraço e desejo o coração que é meu
Por que este amor é a luz que minha vida leva
Assim Mere deixou a casa dele pela última vez. Os chinelos foram postos não nos pés, mas numa estante chamada coração, para que não seja relembrada aos olhos atentos e sagazes. A vida talvez vá continuar para ela, mais fácil que para os pais que deram a seu único filho carinho e direção, mas um vento forte e sem destino, sem meios, talvez, de ser interceptado, veio e arrebatou sua pouca essência de vida e maturidade.
Onde está o erro? Não sei, sinceramente não sei...

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

A Guerra e a Paz

─ Mamãe! Mamãe! ─ Quem me chama? (...) Marcele estava atirada no chão, observando a cúpula dos próprios olhos quando ouvira a vozinha de uma criança. Ela não reconhecera a menina Meret, sua filha. ─ Mamãe, quem são eles? Meret apontava para o esquadrão que estava à frente do palácio Torbi na província de Ubá. A guerra ainda assolava metade da população daquele Estado, que além de não ter comida, eram devorados pelas garras das balas dos soldados aliados do Tebã. Com muito esforço Marcele conseguiu abrir os olhos. O sol estava esturricando sobre sua cabeça, soergueu a cabeça e olhou para trás por cima dos ombros observando os gentios doutores da guerra. Voltou a cabeça para a menina Meret e lembrou-se vagarosamente do que houvera. Na noite de ontem, vinte e três de maio do ano de dois mil e dezessete, ela e seu marido, o bravo Set tentavam fugir para a fronteira com Menghiy quando foram surpreendidos por um estrondo muito forte. Set caiu e rolou três metros à sua frente. A bala acertou em cheio seu coração cheio de vida. Marcele teve seu corpo e cabeça atingidos por estilhaços; ela não notara o sangue que manchou sua camisa Trezegt (de fundo de quintal). Na manhã seguinte, antes de acordar, ninguém deu importância para as duas, pois corpos caídos já faziam parte do cenário daquele local. Marcele ainda continuava com o quadril no chão e Meret já se prostrava de pé ao lado da mãe. ─ Mamãe, onde está papai? Vamos embora... Marcele correu os olhos pela rua procurando pelo seu esposo, mas tudo o que via era a poeira rasa que se levantava com o correr dos ventos. Sentiu seu coração batendo na boca quando avistou a camisa manchada de sangue e dor, e dentro dela os olhos de Set pareciam ainda brilhar. Marcele sentiu um arrepio que percorria toda a sua espinha e presenciou o que seu coração jamais imaginaria. A mão de Set tocou-a no ombro esquerdo, subitamente ela ouviu uma frase sussurrada no seu ouvido. Era a voz de Set. “Não tenha medo de seguir! Carregue nossa filha, encontre forças em minha lembrança!”. ─ Vamos Meret, vamos embora para Menghiy, lá será mais seguro. ─ O que é a guerra, mamãe? ─ A guerra minha filha – Marcele buscava as palavras, como que num conto – é quando duas pessoas que não se gostam lutam para tomar o que o outro tem. ─ E por que tantas pessoas não se gostam? ─ Como assim? ─ Tem mais de duas pessoas com armas na mão! – indagou Meret, confusa. ─ São os soldados de Ubá, que lutam pelo seu general Amã. Este é um dos dois que não se gostam. Você está bem menina? Não está com nenhuma dor? Meret parecia bem, só não percebera sua mãozinha desfocada. Um dos estilhaços a acertou em cheio, mas a dor devia estar tão intensa que a anestesiou. Não consegui olhar mais para as duas, pois tive um misto de dor e compaixão. Duas pessoas que não se gostam envolvem duas nações outrora de paz! Isto é um absurdo! O que Marcele, Set e Meret tinham que ver com esta luta. ─ Abaixe-se, Meret! ─ Mamãe!!! Ouviu-se um som surdo. Soldados inimigos vinham pelas costas. ─ O que aconteceu papai?... ─ Dorme filhinha... dorme... Foi naquele mesmo dia. Duas nações estão se odiando a tal ponto que não há mais olhos, boca ou coração, são sim garras, balas e dragões! Foi naquele mesmo dia que a inocência de Meret conheceu a vida dura... como tanta gente conhece no mundo... a fome não é problema, a guerra é – PRECISAMOS DE MAIS DINHEIRO, VAMOS PERDER A GUERRA ASSIM! – a fome não é problema – IRIA MORRER MESMO – a fome é só uma passagem... ─ Meret, a mamãe quer ver você – adiantou-se Set. ─ Quanta árvore bonita papai, eu não sabia que Menghiy era tão linda assim! Onde está mamãe? ─ Está aqui – Set apontou para o coraçãozinho da menina – e vai estar sempre contigo. Ela se salvou, mas precisamos ajudá-la. Marcele olhava na direção do palácio e gritava. De sua boca escorria um líquido de ódio! Meret estava em seu colo, frágil e miúda querendo o colo da mãe. Estava morta e serena. Meret estava sozinha. Sua mãe tinha os olhos vermelhos e num salto levantou-se e juntou todas as forças que tinha e partiu pra cima do palácio. Deu dez passadas largas e trupicou numa pedra ondular. Não caiu, mas um comandante de Ubá presenciou a cena e não achou interessante aquela mulher miúda e barulhenta vindo na direção do REI da guerra. Decidiu acabar logo com aquilo. Pegou sua arma e mirou bem no coração. ─ Mamãe, eu amo você! ─ Dorme filhinha... que eu vou ficar do seu lado lhe protegendo... – Marcele olhou Set e apontou sua boca - enfim paz!

A busca

_ Senador! Senador Mirinho! Você está louco ou o quê! _ Nem louco nem nada... você me pediu dois milhões! _ É. Eu sei, mas aqui no telefone... não sabe que grampearam? _ Merda por merda... o que há de ser?! Comprou o cavalinho? _ Lindo! E uma pechincha... quem diria... Neste instante bate à porta do carro do senador Mirinho uma coitada pedindo uns trocados. Sabe aquele trocado em que pediríamos bala em troco? Pois bem, com isto ela ía tomar uma "marvada" e esquecer dos mangalargas encostados num tal de "senatório" "sanatório"... se bem que lá tem gente boa... loucos somos nós... pois bem... no Congresso Nacional (bonito, não é! dá orgulho pronunciar!). Ela pedia isso... _ Dois milhões por um cavalo! Pechinchinha porreta! Espera só um pouco... _ Não tenho nada - o senador falava com a patroinha da rua - que possa te ajudar, a vida tá difícil! Vai arranjar um emprego... _ Quem era tio? _ Uma mulher aqui da rua... queria umas moedas... mas quem anda com moedas hoje em dia? _ Verdade... - ironizou o feliz dono do cavalinho FORTUNA. A mulher se retirou dali tarde da noite... ela não queria trocado nenhum pra tomar algum pileque de "marvada". Seu filho se esguelava de fome naquela bacia repleta de jornal. O menino não devia ter mais de oito meses, mas o leite dela, Ana, já não dava... não comia a coitada havia dias... seu marido faleceu naquela obra do metrô... esqueceram-se dele, dela e dele menininho... O menino olhava sua mãe e o chorinho vinha aos soluços, não tinha forças... e meu filho que eu vi gargalhar de alegria por minhas graças... agora não vejo graça.... sinto-me mal e com náuseas, muitas náuseas... presenciei aquele fato horrendo. Dois milhões num merda d'um cavalo... Dorme menininho... que os anjinhos estão aqui pra lhe apresentar Deus! Dorme mãezinha querida... seu filhinho está entre nós... Deu-se um apito muito forte! _ Senador! Senador! - gritava no telefone o sobrinho afortunado com aquele cavalo... Aquele carro veio certeiro e parecia sem vida, acertou em cheio a lateral do Honda e deu que tudo se acabou... somente pó e esteira para o agraciado Senador... Dormimos assim meio confusos... onde estamos mesmo? _ Mamãe, acorda... _ Filhinho querido... você veio me buscar! _ Por quê eu me esqueceria...

Agonia

Foi um dia comum demais, ele deixara tudo pra trás e tomou o rumo da rua. A lua, estranhamente escondida por detrás de nuvens ligeiras, dava a sensação de vazio no peito do rapaz. Nada tão especial cruzou seu caminho... foi assim... __ Corre!!!!!!!! __ O que foi Mazzi? - gritou à irmã, apreensiva. __ Olha pra direita, pra direita!!! __ Não há nada ali... você está maluca? A sombra do rapaz ficou sobreposta no rubro embaixo da árvore. Aquele 29 de abril estava meio confuso. Num quarto de segundo tudo estava no ar. Foram três os olhares se cruzando. A menina Mazzi estava desconfiada. Apertava os dedos e vazava pelos olhos discretamente. Estava em silêncio. Ameaçou abrir a boca e gritar, mas o fez tão em câmera lenta que sua mão nem foi notada em movimento. Caiu e arregaçou o pescoço para cima para poder ver a cena do rapaz sobrenatural. Ela sentiu sua vida virando sua mente no avesso enquanto o olhar dele a penetrava. Sua irmã sentou-se na mureta à beira da praia e acendeu sua lanterna contra as formigas que carregavam folhas. Totalmente absorta vigiava a irmã com os olhos da nuca. Nem notou o rapaz iniciar os movimentos com o seu corpo luzido. A lua deu as caras e revelou a supressão dos fatos... Mirella não conteve sua agonia... __ Mirella!!!! Foi antes... foi muito antes... as formigas estavam distraindo-a. Mazzi caída ao pé da árvore com uma faca milesimamente cravada em sua nuca... o sangue jorrava miúdo... lento e já frígido. Mazzi mantinha os olhos abertos por que seus músculos queriam... ela não tinha mais vida. "Mazzi... não!!! O que aconteceu?" Mirela não notou aquela mão entrando na cena. Sua irmã tentara avisá-la, mas era tarde... Teve tão pouca sorte o rapaz na vida que o sangue que derramou era miserável... "Mais... mais... muito mais... O que fiz? Preciso voltar! Preciso voltar..." Chorava consigo mesmo. __ Desculpe... Não sei o que deu em mim, sofro por ela... __ Sofre? Desgraçado o homem que fez isso... minha irmazinha... Mirela olhou pra trás por cima dos ombros e nada viu. A voz que ouvia era soprada através do vento lento e frio. Mantinha a irmã apoiada em suas coxas e de joelho a balançava e chorava cantarolando seu nome tristemente. Nesta hora sentei-me à beira da ilusão de vida e morte. Morreu Mazzi, sorrateiro o homem que fugiu... levou a alma dela para consigo. Desci bem devagar na direção das duas e apreciei a beleza abaixo de sua testa... Mazzi tinha belos contornos nos olhos, Mirela estava esquecida. Abracei sua alma e adormeci em minha casa... Calei minha fúria e corri pelas ruas novamente... à procura de nada que fizesse me lembrar do calor daquelas noites em que me deixou esquecido naquela maldita praia.

O segredo

I.
Saíra desconcertado daquela reunião fastidiosa. Afinal para que tanta pressão se o mundo vai acabar mesmo um dia. Mas nunca ouvira falar naquele segredo de Fátima, o qual lera minutos antes no seu e-mail antes de ir para a decisiva reunião. Foi acertado que Felício ficaria responsável por receber todas as contas e reportar tudo quanto for centavo que pelas suas mãos escorrer.
II.
Chegou tranqüilo em casa, porém. Sentou-se no macio e profundo sofá à beira da lareira e refletiu seu corriqueiro dia. Já estava acostumado a isso, afinal, por conta de seu tedioso emprego ostentava uma pequena fortuna, da qual se privilegiava de bons carros, uma bela casa e muita solidão. Deitou-se um pouco e dormiu; — ‘entre pelos fundos, vamos! Por aqui não dá, esta porta está fechada. Vamos, porque a demora? Tem alguém lá dentro? Você conhece as regras, se as portas e as janelas estão fechadas e há velas acesas vamos embora! Inútil, imprestável, que porra de demônio você é! O todo poderoso nos vê e nos punirá com apenas um sopro, regras são regras’. — ‘ai, minha mãe, eu já falei que eu não vou à igreja! É toda vez a mesma coisa, o padre que pede, pede e pede cada vez mais dinheiro. Se não é o pátio da igreja que precisa de reforma, é o sino que já não badala direito. Não vou, não vou e pronto! Moleque desgraçado, volta aqui! Aonde você pensa que vai? Não mãe, não! Eu não quero! Venha aqui que vou lhe dar uma surra, pois é isso que você merece por não rezar! Não mãe; não mãe’ Não mãe! Nããããããããããoooooooooo... Ai... que pesadelo. Eu amo você mamãe, onde quer que esteja, mas eu não entendo porque você não me amava... Porque estou falando bobagens, preciso de um banho.
III.
“Quando chegar este dia, que não está longe esteja prevenido. Por setenta e duas horas a Terra irá estremecer, o sol se esconderá debaixo do manto sagrado de Deus, o mar estará a lavar o rosto d’Ele e o tremor da Terra massageará o ego de quem a fez sofrer, porém será uma massagem dolorosa e carnívora. Não saia de casa. Não abra a porta para ninguém. Tranque as janelas. Tenha um altar preparado para nosso senhor Jesus Cristo. Acenda velas brancas e bentas e ore com uma intensidade profunda e conseguirás alento nos braços de Deus.” — O que significa tudo isso. É muito pra mim, saber que um dia a Terra vai estremecer isto não pode ser verdade. Nosso país está sobre uma única placa tectônica. — Homem de pouca fé, mísero humano... — Não é nada disso Hermínia. Como acreditar em tudo isso? — Leia você mesmo na bíblia. — Nem tenho uma... — Vou mandar-lhe uma de presente e as passagens bíblicas que retratam este texto. Iii olha o gerente aí. — O relatório, Hermínia. O relatório!!! — Estava com Felício. — Você não me deu Felício! — Felício, onde está o relatório desta semana. Já devia estar em minha mesa, não? — Sim senhor Flávio, já está quase pronto. Ainda antes do almoço lhe entregarei. — Sem demora meu caro, pois tem uma pancada de gente por aí que trabalharia pela metade do preço que você nos custa. — Sim senhor, já já estará lá. — Felício. Felício. — Dois vai um e quatro mais setenta menos vinte e três por cento vezes a somatória geral... — Felício. Felício. Felício. — A razão seria na proporção menor menos o número de peças vendidas pelas produzidas... — Felício. — O que é caramba! — O relatório seu xarope! — Desculpa, estou muito mal hoje.