terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Superexposição

- O que quer de mim - perguntou ela enquanto ele procurava um local para se sentar.
- Não sei, ainda não sei. Está tudo tão estranho aqui deste lado de cá. Uma pulsação sem sentido, queria uma dose de calmaria - disse tentando encontrar os olhos dela...

Nada. Não havia ninguém ali. Estava escuro. Otílio não conseguia entender o que significava aquilo. Num instante Marta e ele estavam ali, acabaram de chegar para uma conversa, mas de repente, como num filme de suspense, tudo sumiu. Sumiu o céu, o chão, as casas. Era um completo mar negro. Ele gritou o mais alto que pode, mas nada pôde fazer. Ninguém o ouvia.

- Acha que ele enlouquece rápido? - uma moça com roupa branca, parecendo uma enfermeira, perguntou à Marta.
- É o que vamos ver. Geralmente o remédio demora a fazer efeito. Desde a última catástrofe com as cobaias demoramos mais de dois anos aperfeiçoando. Este será nosso primeiro teste - disse ela olhando através do vidro e, virando-se para a moça, conferiu seu crachá - e você, Ana, seu nome?
- Sim. Dra Ana Lombato. - disse ela cordialmente.
- O que você acha? - finalizou Marta.

Ana parou diante da pergunta e mencionou que iria buscar água. Marta virou-se para o vidro e observou Otílio perdido no escuro. Suas mãos tentavam encontrar algum esteio, mas não encontrava nada. Apenas conseguia sentir uma superfície áspera sob si. Teve medo de sentar-se. Suas pernas não ficavam eretas como um medo que partia do seu mais íntimo receio. Era um sentimento automático que bloqueava sua confiança. Assim, com as pernas semi flexionadas, ele apenas dava passos curtos. Sua voz pedindo por socorro estava carregada de medo, rouquidão. Por instinto falava cada vez mais baixo, como que se tivesse medo de acordar algo ou alguém.
Ana retornou, sentou-se em sua mesa. Mexeu em alguns botões e de repente a sala escura onde Otílio era minado, transformou-se num misto colorido misturando todos os possíveis ambientes.

- Não trabalhei no projeto passado, como sabe - disse virando-se levemente na direção de Marta - mas li vários relatórios seus. Achei satisfatório o método de controle do choque anafilático, devido à carga de exposição ao gás alucinógeno, mas talvez a dose tenha sido calculado de maneira equivocada.
- Descobrimos isto depois - disse Marta com certo incômodo na voz - não lhe disseram isto durante a apresentação dos dossiês da Superexposição?
- Disseram que havia um relatório final, mas que não me apresentariam antes de conhecê-la e passar pela experiência. Quero que entenda - foi dizendo Ana em tom apaziguador - que não mencionei a questão da exposição ao gás para lhe confrontar. Penso que era o que...
- Sim, era o que queriam que descobrisse sozinha. Quanto tempo lhe deram para analisar todos os relatórios.

Houve um barulho estrondoso. Dentro da sala, cerca de dez minutos antes, o escuro total deu lugar a uma frenética mudança e mistura de cores. No deslize dos dedos de Ana pelo painel de controle a redoma foi tomada por uma carga do gás UTHSSOPI (Alucinógeno grau 3). A vista de Otílio se embaralhou e demorou a acostumar-se com a efusão de cores.

De repente seu corpo foi puxado para o chão com violência. Dormiu.

- Otílio, Otílio - ela balançava seu corpo - vamos, acorde.
- Oi, sim - ele foi se levantando - o que aconteceu aqui?
- Venha, deite-se...

- Você acha que desta vez estamos no caminho certo, Marta? - perguntou o chefe da área de ensaios.
- Ainda é cedo para conclusões. Quanto à moça, Ana, gostaria de mais um tempo com ela.
- Claro! - disse num tom animado - Terá o tempo que precisar.

Carlos, o chefe, estava saindo quando Marta o chamou mais uma vez.

- Mais uma coisa. Sobre o relatório final da última pesquisa. Somente deixe que ela tenha acesso quando eu disser que ela pode.
- Assim será feito. Fique tranquila.

Ana permaneceu no corredor do Centro Laboratorial TERES em frente à porta do quarto de Otílio. Ele dormia embalado pelos sedativos. Teve realidade e ilusão misturados de uma maneira muito brusca. Seu cérebro precisava de descanso.