domingo, 1 de novembro de 2015

Durma bem

A porta, fechou atrás de si, no mesmo instante em que, enquanto a mão direita travava a maçaneta, lançava um olhar violento na direção dele. Sentiu em seu corpo a essência feminina de sua entranha. Os calafrios insuportáveis tentando sua alma a desapegar de seu corpo fizeram com que ela fosse lançada ao interruptor da luz, diminuindo sua intensidade. Caminhou lentamente até ele e pediu-lhe que se deitasse. Percorreu a mão lentamente pelo corpo quente.

"Errado!" - disse ela e deu um passo atrás.

Ele sabia o que significava aquele murmúrio e travou sua respiração, que momentos antes preenchia ofegante o ambiente.

"Muito errado" - disse novamente.
"Vamos desistir agora? Depois de tudo que preciso foi? Fica, liga o som, liga o peito arfã" - ele se levantou da cama e procurou o corpo dela para abraçá-la. Ela não resistiu, mas por alguns instantes ela não retribuiu o abraço, apenas permitiu que fosse abraçada. "Não?!" - disse ele recuando o tronco diante da face assustada.

Ela mirou fundo os olhos dele e tocou sua face. "Fosse certo como um dia de sol" - disse já com um semblante doce na face. Em seu corpo os calafrios haviam sumido. A luz ainda era baixa. Ela se desvencilhou do corpo alheio e caminhou até o aparelho de som e colocou "Murmurs" de Hundred Waters para tocar.

As palavras, que foram poucas nesta última meia hora foram trocadas poucas vezes. Um lia o outro com uma facilidade impenetrável pela dúvida. Neste momento ela estava sentada à beira da cama com as mãos juntadas nas pernas enquanto ele, recostado na parede, aguardava alguma nova investida para que se amassem ou desistissem.

Horas atrás, na rua da quadra 15, eles estavam no momento certo combinado. Ela vestia uma saia azul. Ele em calça jeans, simplista como sempre foi.

"Até que enfim! Parece que os anos se passaram num piscar de olhos" - ela disse enquanto ele já emendava. "Bela como sempre. Tive medo de atrasar" - ela riu das duas sentenças, aparentemente desconexas. "São seus olhos" "Clichê?!?!" "Como?" "É verdade! Não minto. Posso segurar sua mão?" - ela olhou em volta. Eram quase sete da noite e estavam a três quarteirões de casa. "Vamos" - estendeu sua mão na direção dele e seguiram devagar pela rua.

No caminho ela foi contando sobre os moradores das ruas próximas de sua casa. Ele, por alguns instantes ficou meio sem saber qual a necessidade de saber da vida alheia, mas ouvia atentamente aquela voz.

"Ali mora o senhor Alvarez. Está sempre sozinho. Raramente uma mulher aparece para faxinar sua casa. Ele está sempre vestido no seu paletó cinza. Passa os fins de tarde na varanda, olhando para a rua. Às vezes me vê e acena, mas na maioria dos dias está longe com seu olhar" - disse enquanto desciam a rua íngreme. Ele se esforçava para prestar atenção ao que ela dizia, pois seus dedos, suavemente, percorriam a leveza da mão dela "Está me ouvindo?" "Estou sim" - soltou um leve sorriso na direção dela "Semana passada uma menina da rua quase morreu" "Meu Deus! O que houve?" "Uma infecção por alguma bactéria de algum alimento que comeu" - passaram pela casa e ela apontou a janela da menina "Ali, menina Clara" "Ela está melhor? Tem notícia?" "Saiu da UTI. Está fora de perigo" - a mão dela foi de quente a um calafrio "Vamos andando" - disse ela puxando ele com força. "Mais alguém?" "Como?" - ele quis usar de uma ironia desconexa, mas ela ignorou esta atitude e chegaram à casa.

"Vinho?"
"Ótimo!"

Colocou um som no rádio e perguntou a ele o que era tudo aquilo.

"Não sei o que se passa, mas sei que lhe amo. Dias, meses e anos pensando em como seria se você estivesse prestando atenção em mim. Esperando meu abraço, assim como eu desejo"
"Para" - ele assustou-se e fez uma cara de desalento "Não. Não se aborreça. Queria somente prestar atenção no seu silêncio. Olhos grudados em mim"

Sorriu e caminhou na direção dele. Ele fechou os olhos e quando os abriu, o corpo dela estava deitado ao lado da cama. Respiração calma, pele suada, cabelo grudado na face. Passou a mão entre o cabelo e orelha dela e beijou-lhe a boca.

"Durma bem".