quarta-feira, 13 de agosto de 2008

A Guerra e a Paz

─ Mamãe! Mamãe! ─ Quem me chama? (...) Marcele estava atirada no chão, observando a cúpula dos próprios olhos quando ouvira a vozinha de uma criança. Ela não reconhecera a menina Meret, sua filha. ─ Mamãe, quem são eles? Meret apontava para o esquadrão que estava à frente do palácio Torbi na província de Ubá. A guerra ainda assolava metade da população daquele Estado, que além de não ter comida, eram devorados pelas garras das balas dos soldados aliados do Tebã. Com muito esforço Marcele conseguiu abrir os olhos. O sol estava esturricando sobre sua cabeça, soergueu a cabeça e olhou para trás por cima dos ombros observando os gentios doutores da guerra. Voltou a cabeça para a menina Meret e lembrou-se vagarosamente do que houvera. Na noite de ontem, vinte e três de maio do ano de dois mil e dezessete, ela e seu marido, o bravo Set tentavam fugir para a fronteira com Menghiy quando foram surpreendidos por um estrondo muito forte. Set caiu e rolou três metros à sua frente. A bala acertou em cheio seu coração cheio de vida. Marcele teve seu corpo e cabeça atingidos por estilhaços; ela não notara o sangue que manchou sua camisa Trezegt (de fundo de quintal). Na manhã seguinte, antes de acordar, ninguém deu importância para as duas, pois corpos caídos já faziam parte do cenário daquele local. Marcele ainda continuava com o quadril no chão e Meret já se prostrava de pé ao lado da mãe. ─ Mamãe, onde está papai? Vamos embora... Marcele correu os olhos pela rua procurando pelo seu esposo, mas tudo o que via era a poeira rasa que se levantava com o correr dos ventos. Sentiu seu coração batendo na boca quando avistou a camisa manchada de sangue e dor, e dentro dela os olhos de Set pareciam ainda brilhar. Marcele sentiu um arrepio que percorria toda a sua espinha e presenciou o que seu coração jamais imaginaria. A mão de Set tocou-a no ombro esquerdo, subitamente ela ouviu uma frase sussurrada no seu ouvido. Era a voz de Set. “Não tenha medo de seguir! Carregue nossa filha, encontre forças em minha lembrança!”. ─ Vamos Meret, vamos embora para Menghiy, lá será mais seguro. ─ O que é a guerra, mamãe? ─ A guerra minha filha – Marcele buscava as palavras, como que num conto – é quando duas pessoas que não se gostam lutam para tomar o que o outro tem. ─ E por que tantas pessoas não se gostam? ─ Como assim? ─ Tem mais de duas pessoas com armas na mão! – indagou Meret, confusa. ─ São os soldados de Ubá, que lutam pelo seu general Amã. Este é um dos dois que não se gostam. Você está bem menina? Não está com nenhuma dor? Meret parecia bem, só não percebera sua mãozinha desfocada. Um dos estilhaços a acertou em cheio, mas a dor devia estar tão intensa que a anestesiou. Não consegui olhar mais para as duas, pois tive um misto de dor e compaixão. Duas pessoas que não se gostam envolvem duas nações outrora de paz! Isto é um absurdo! O que Marcele, Set e Meret tinham que ver com esta luta. ─ Abaixe-se, Meret! ─ Mamãe!!! Ouviu-se um som surdo. Soldados inimigos vinham pelas costas. ─ O que aconteceu papai?... ─ Dorme filhinha... dorme... Foi naquele mesmo dia. Duas nações estão se odiando a tal ponto que não há mais olhos, boca ou coração, são sim garras, balas e dragões! Foi naquele mesmo dia que a inocência de Meret conheceu a vida dura... como tanta gente conhece no mundo... a fome não é problema, a guerra é – PRECISAMOS DE MAIS DINHEIRO, VAMOS PERDER A GUERRA ASSIM! – a fome não é problema – IRIA MORRER MESMO – a fome é só uma passagem... ─ Meret, a mamãe quer ver você – adiantou-se Set. ─ Quanta árvore bonita papai, eu não sabia que Menghiy era tão linda assim! Onde está mamãe? ─ Está aqui – Set apontou para o coraçãozinho da menina – e vai estar sempre contigo. Ela se salvou, mas precisamos ajudá-la. Marcele olhava na direção do palácio e gritava. De sua boca escorria um líquido de ódio! Meret estava em seu colo, frágil e miúda querendo o colo da mãe. Estava morta e serena. Meret estava sozinha. Sua mãe tinha os olhos vermelhos e num salto levantou-se e juntou todas as forças que tinha e partiu pra cima do palácio. Deu dez passadas largas e trupicou numa pedra ondular. Não caiu, mas um comandante de Ubá presenciou a cena e não achou interessante aquela mulher miúda e barulhenta vindo na direção do REI da guerra. Decidiu acabar logo com aquilo. Pegou sua arma e mirou bem no coração. ─ Mamãe, eu amo você! ─ Dorme filhinha... que eu vou ficar do seu lado lhe protegendo... – Marcele olhou Set e apontou sua boca - enfim paz!

A busca

_ Senador! Senador Mirinho! Você está louco ou o quê! _ Nem louco nem nada... você me pediu dois milhões! _ É. Eu sei, mas aqui no telefone... não sabe que grampearam? _ Merda por merda... o que há de ser?! Comprou o cavalinho? _ Lindo! E uma pechincha... quem diria... Neste instante bate à porta do carro do senador Mirinho uma coitada pedindo uns trocados. Sabe aquele trocado em que pediríamos bala em troco? Pois bem, com isto ela ía tomar uma "marvada" e esquecer dos mangalargas encostados num tal de "senatório" "sanatório"... se bem que lá tem gente boa... loucos somos nós... pois bem... no Congresso Nacional (bonito, não é! dá orgulho pronunciar!). Ela pedia isso... _ Dois milhões por um cavalo! Pechinchinha porreta! Espera só um pouco... _ Não tenho nada - o senador falava com a patroinha da rua - que possa te ajudar, a vida tá difícil! Vai arranjar um emprego... _ Quem era tio? _ Uma mulher aqui da rua... queria umas moedas... mas quem anda com moedas hoje em dia? _ Verdade... - ironizou o feliz dono do cavalinho FORTUNA. A mulher se retirou dali tarde da noite... ela não queria trocado nenhum pra tomar algum pileque de "marvada". Seu filho se esguelava de fome naquela bacia repleta de jornal. O menino não devia ter mais de oito meses, mas o leite dela, Ana, já não dava... não comia a coitada havia dias... seu marido faleceu naquela obra do metrô... esqueceram-se dele, dela e dele menininho... O menino olhava sua mãe e o chorinho vinha aos soluços, não tinha forças... e meu filho que eu vi gargalhar de alegria por minhas graças... agora não vejo graça.... sinto-me mal e com náuseas, muitas náuseas... presenciei aquele fato horrendo. Dois milhões num merda d'um cavalo... Dorme menininho... que os anjinhos estão aqui pra lhe apresentar Deus! Dorme mãezinha querida... seu filhinho está entre nós... Deu-se um apito muito forte! _ Senador! Senador! - gritava no telefone o sobrinho afortunado com aquele cavalo... Aquele carro veio certeiro e parecia sem vida, acertou em cheio a lateral do Honda e deu que tudo se acabou... somente pó e esteira para o agraciado Senador... Dormimos assim meio confusos... onde estamos mesmo? _ Mamãe, acorda... _ Filhinho querido... você veio me buscar! _ Por quê eu me esqueceria...

Agonia

Foi um dia comum demais, ele deixara tudo pra trás e tomou o rumo da rua. A lua, estranhamente escondida por detrás de nuvens ligeiras, dava a sensação de vazio no peito do rapaz. Nada tão especial cruzou seu caminho... foi assim... __ Corre!!!!!!!! __ O que foi Mazzi? - gritou à irmã, apreensiva. __ Olha pra direita, pra direita!!! __ Não há nada ali... você está maluca? A sombra do rapaz ficou sobreposta no rubro embaixo da árvore. Aquele 29 de abril estava meio confuso. Num quarto de segundo tudo estava no ar. Foram três os olhares se cruzando. A menina Mazzi estava desconfiada. Apertava os dedos e vazava pelos olhos discretamente. Estava em silêncio. Ameaçou abrir a boca e gritar, mas o fez tão em câmera lenta que sua mão nem foi notada em movimento. Caiu e arregaçou o pescoço para cima para poder ver a cena do rapaz sobrenatural. Ela sentiu sua vida virando sua mente no avesso enquanto o olhar dele a penetrava. Sua irmã sentou-se na mureta à beira da praia e acendeu sua lanterna contra as formigas que carregavam folhas. Totalmente absorta vigiava a irmã com os olhos da nuca. Nem notou o rapaz iniciar os movimentos com o seu corpo luzido. A lua deu as caras e revelou a supressão dos fatos... Mirella não conteve sua agonia... __ Mirella!!!! Foi antes... foi muito antes... as formigas estavam distraindo-a. Mazzi caída ao pé da árvore com uma faca milesimamente cravada em sua nuca... o sangue jorrava miúdo... lento e já frígido. Mazzi mantinha os olhos abertos por que seus músculos queriam... ela não tinha mais vida. "Mazzi... não!!! O que aconteceu?" Mirela não notou aquela mão entrando na cena. Sua irmã tentara avisá-la, mas era tarde... Teve tão pouca sorte o rapaz na vida que o sangue que derramou era miserável... "Mais... mais... muito mais... O que fiz? Preciso voltar! Preciso voltar..." Chorava consigo mesmo. __ Desculpe... Não sei o que deu em mim, sofro por ela... __ Sofre? Desgraçado o homem que fez isso... minha irmazinha... Mirela olhou pra trás por cima dos ombros e nada viu. A voz que ouvia era soprada através do vento lento e frio. Mantinha a irmã apoiada em suas coxas e de joelho a balançava e chorava cantarolando seu nome tristemente. Nesta hora sentei-me à beira da ilusão de vida e morte. Morreu Mazzi, sorrateiro o homem que fugiu... levou a alma dela para consigo. Desci bem devagar na direção das duas e apreciei a beleza abaixo de sua testa... Mazzi tinha belos contornos nos olhos, Mirela estava esquecida. Abracei sua alma e adormeci em minha casa... Calei minha fúria e corri pelas ruas novamente... à procura de nada que fizesse me lembrar do calor daquelas noites em que me deixou esquecido naquela maldita praia.

O segredo

I.
Saíra desconcertado daquela reunião fastidiosa. Afinal para que tanta pressão se o mundo vai acabar mesmo um dia. Mas nunca ouvira falar naquele segredo de Fátima, o qual lera minutos antes no seu e-mail antes de ir para a decisiva reunião. Foi acertado que Felício ficaria responsável por receber todas as contas e reportar tudo quanto for centavo que pelas suas mãos escorrer.
II.
Chegou tranqüilo em casa, porém. Sentou-se no macio e profundo sofá à beira da lareira e refletiu seu corriqueiro dia. Já estava acostumado a isso, afinal, por conta de seu tedioso emprego ostentava uma pequena fortuna, da qual se privilegiava de bons carros, uma bela casa e muita solidão. Deitou-se um pouco e dormiu; — ‘entre pelos fundos, vamos! Por aqui não dá, esta porta está fechada. Vamos, porque a demora? Tem alguém lá dentro? Você conhece as regras, se as portas e as janelas estão fechadas e há velas acesas vamos embora! Inútil, imprestável, que porra de demônio você é! O todo poderoso nos vê e nos punirá com apenas um sopro, regras são regras’. — ‘ai, minha mãe, eu já falei que eu não vou à igreja! É toda vez a mesma coisa, o padre que pede, pede e pede cada vez mais dinheiro. Se não é o pátio da igreja que precisa de reforma, é o sino que já não badala direito. Não vou, não vou e pronto! Moleque desgraçado, volta aqui! Aonde você pensa que vai? Não mãe, não! Eu não quero! Venha aqui que vou lhe dar uma surra, pois é isso que você merece por não rezar! Não mãe; não mãe’ Não mãe! Nããããããããããoooooooooo... Ai... que pesadelo. Eu amo você mamãe, onde quer que esteja, mas eu não entendo porque você não me amava... Porque estou falando bobagens, preciso de um banho.
III.
“Quando chegar este dia, que não está longe esteja prevenido. Por setenta e duas horas a Terra irá estremecer, o sol se esconderá debaixo do manto sagrado de Deus, o mar estará a lavar o rosto d’Ele e o tremor da Terra massageará o ego de quem a fez sofrer, porém será uma massagem dolorosa e carnívora. Não saia de casa. Não abra a porta para ninguém. Tranque as janelas. Tenha um altar preparado para nosso senhor Jesus Cristo. Acenda velas brancas e bentas e ore com uma intensidade profunda e conseguirás alento nos braços de Deus.” — O que significa tudo isso. É muito pra mim, saber que um dia a Terra vai estremecer isto não pode ser verdade. Nosso país está sobre uma única placa tectônica. — Homem de pouca fé, mísero humano... — Não é nada disso Hermínia. Como acreditar em tudo isso? — Leia você mesmo na bíblia. — Nem tenho uma... — Vou mandar-lhe uma de presente e as passagens bíblicas que retratam este texto. Iii olha o gerente aí. — O relatório, Hermínia. O relatório!!! — Estava com Felício. — Você não me deu Felício! — Felício, onde está o relatório desta semana. Já devia estar em minha mesa, não? — Sim senhor Flávio, já está quase pronto. Ainda antes do almoço lhe entregarei. — Sem demora meu caro, pois tem uma pancada de gente por aí que trabalharia pela metade do preço que você nos custa. — Sim senhor, já já estará lá. — Felício. Felício. — Dois vai um e quatro mais setenta menos vinte e três por cento vezes a somatória geral... — Felício. Felício. Felício. — A razão seria na proporção menor menos o número de peças vendidas pelas produzidas... — Felício. — O que é caramba! — O relatório seu xarope! — Desculpa, estou muito mal hoje.