segunda-feira, 10 de novembro de 2014

A menos que

Ele sempre andou pela estrada onde se leva a alguma conclusão, mas nunca havia se perguntado o por que estava assim tão triste. Tinha sob si um chão firme, mas seus chinelos estavam gastos. E isto trazia um incômodo desnecessário, pois era somente comprar um novo. Não é bem assim que funciona. Não se compra um coração, não se compra uma noção de tempo espaço, não se traz à luz o amor que uma pessoa pode dar, com toda sua intensa e verdadeira atitude, apenas querendo. Seus chinelos continuariam gastos. A menos que.
 
Qual atitude poderia ter para fazer tudo ser um imenso céu azul? A menos que você saiba que nada é tão simples, se dará bem. Ele sempre andou à beira de um colapso, mas sempre trouxe para si paciência. Cada trecho que percorre são milhões de imagens que carrega, cansava de ficar filtrando uma a uma. Resolveu fixar-se numa só imagem. Um sorriso misterioso.
 
Marco estava cansado nesta manhã de 21 de outubro, mas seu despertador insistia em tirar-lhe da cama. O café ainda não estava pronto. Não havia mais ninguém na casa. Sobrou-se sozinho em meio às turbulentas noites passadas. Acusações. Gritos. Choro. Estava decidido, feriu-se também, mas queria ele o melhor da vida. Assim ficou na cama e nem se importou com o café ainda em pó. Em pó também estavam seus olhos. No espelho não se reconheceu. "O que haverá daqui para frente?" - pensava. Decidiu tomar um banho. Não. Preferiu ficar na cama. O celular piscava luz de notificação. Foi conferir e observou aquele 'bom diaaa'. Perguntou, assim como nos últimos 12 meses 'tudo bom?' e Marco sempre pensava 'todos perguntam - tudo bem? - esta menina pergunta - tudo bom?', ele gostava deste jeito, fazia com que ela parecesse mais real, mais verdadeira. Conversaram e de repente veio uma foto. Pés para o alto, pés na cabeceira da cama. Estava ele ainda deitado e um sorriso tomou conta de sua boca. Era sábado. Precisava levantar-se, sacudir a preguiça. Ir à praia.
 
Foi. Tomou seu banho. A menos que você não faça nada, nada acontecerá. Não chegam números em sua conta bancária se você não mostrar a que veio. A menos que você não viaje não terá conhecido nada, nem ninguém, nem alguém. Será um profundo conhecedor do comodismo. Tomou banho e alguns pensamentos malucos começaram a tomar-lhe a cuca. Gostou quando pensou na cumplicidade da mensagem com a foto. Por alguma razão aquilo ficou impregnado em sua cabeça, pois era simples e tinha uma vivacidade carregada que valeu a ele uma virada nos ânimos daquela manhã. Já no quintal parou diante do sol e abriu os braços. Agradeceu. Pegou o carro e seguiu.
 
Chegando à praia as pessoas já estavam freneticamente loteando os metros quadrados mais privilegiados. Marco chegou próximo do mastro onde montam a rede de volei de praia e deitou sua raqueteira na areia. Mais um pouco e seus parceiros foram chegando. Jogou seu frescobol por longa 1 hora. Cansado, sentou-se e deu-se o direito de algumas cervejas. Meia hora depois mais jogo. Ao longo da jornada foi imaginando virar-se e encontrar o sorriso. As pessoas sorriam, mas estavam alheias. 'Isto também é bom' - pensava. Sorrisos, crianças. Cheiro de mar. Cheiro de felicidade das pessoas no ar.
 
Desligou-se do celular e curtiu a tarde naquela praia. Chegando em casa dormiu.
 
Ele sempre dormia de tarde depois da praia. Seus chinelos ainda ficavam encostados na parede. Precisava jogá-los fora, mas insistia em deixar eles à vista. Não se deu conta de que deveria jogar fora uma sustentação que sempre o incomodava. Precisava de chinelos confortáveis, precisava de uma decisão correta. Marco estava sonhando e seu corpo estremeceu. Acordou assustado. 'O café já esta pronto e a menos que você não queira tomar, preciso de um beijo seu antes de ir para o banho'. Ela já estava de pé enquanto ele sorria para si. No mesmo instante ele pulou da cama e abraçou-a como se os anos tivessem passado e neste instante ele estivesse feliz. Estava.
 

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Miró

A porta entreabriu para o homem entrar. Ele mediu ela sem perceber ao mesmo tempo em que escondia suas mãos no bolso. Adentrou após um ligeiro convite com as mãos da pessoa que o recebera. Não a conhecia, nem teria por que conhecê-la. Recebeu a indicação através do seu amigo Rony que de tanto peso que carregava, necessitou relaxar à sombra de um ventilador sob mãos habilidosas em relaxar colunas cansadas. Entrou e foi convidado a sentar-se e aguardar. Mila, como se apresentou a mulher, era a recepcionista. Ela orientava os clientes a curtir a boa música ambiente que tomava a sala de espera.
 
"Sinta-se relaxado, você está num ambiente onde todos os fluídos vão elevar seu corpo a um êxtase que nunca sentira" - disse Mila, num tom suave, e saiu por uma porta à esquerda da sala; retornou com uma bandeja nas mãos. "Chá da casa para relaxar" e estendeu-lhe um copo com desenhos estranhos. Pôrtos aceitou e bebeu do chá.
 
Em poucos minutos a música havia tomado sua mente. Veio à sua mente o mar transparente tomado por um céu azul. Seu corpo estava num formigamento aleatório. Sua vista estava leve. Sorria instintivamente a cada tom que ecoava das caixas de som estéreo daquela sala. Seu corpo estava praticamente em transe naquela poltrona. 'O chá' pensava ele 'o que havia naquele chá?' e logo depois pensava que estava tudo bem. Sentia-se incrivelmente bem.
 
Mila se aproximou e o convidou a acompanhá-la. Caminharam por um corredor com luz branca e baixa. Reparou os quadros nas paredes, mas não conseguiu ler suas assinaturas. Ela parou diante de uma porta branca com detalhes em cobre, abriu-a e pediu que entrasse. "Selena irá recebê-lo".
 
Já dentro do quarto para sua sessão de massagem percebeu um cheiro misto de almiscar com limão. Selena estava à sua espera ao lado de um biombo. "Venha Pôrtos, preciso que vista esta túnica". Ele se encaminhou para trás do biombo e trocou-se enquanto sua massagista posicionou-se ao lado da maca. "Deite-se de costas".
 
Ao deitar-se, ela diminuiu a iluminação do local, abriu sua túnica e iniciou sua massagem.
 
"Relaxe, vou utilizar óleo e muita suavidade para deixar seu corpo liberar energias ruins e absorver paz e energia positiva"
 
Pôrtos cerrou os olhos e entregou-se àquelas mãos. Havia fluidez nos movimentos de Selena. Desde a pressão das mãos até o calor dos poros dos dedos. Cada trecho pressionado por ela entregava uma sensação diferente. Ele cada vez mais se distanciava da Terra. As batidas de Enya se misturavam ao ritmo da massagista. Ombros, costas, coxas, tudo minusciosamente pressionado e ritimado. Ela repetiu os movimentos por mais duas vezes durante quase trinta minutos. Tocou-lhe o ombro e suavemnte pediu que se virasse. Pôrtos parecia dormir, porém sentiu receio, pois o seu instinto mais animal o denunciaria. Esperou por uns segundos e virou-se. Selena fez menção que não havia percebido e disse-lhe. "Tudo bem, isto acontece às vezes". Ele sentiu-se confortado e fechou os olhos. Mais uma seção de óleos e a massagem começou no pescoço com Selena posicionada sobre sua cabeça. Ligeiramente ela encostou sua barriga nele e começou a descer suas mãos através de seu peito. Pôrtos não conseguia se conter. Abriu os olhos e apreciou sua pele branca estendo-se até seus seios. Sua camisa folgada permitia a ele observá-la. No fundo ele não sabia se o propósito era este, mas quis que ficasse assim por mais tempo. Ela retornou e rapidamente ele cerrou os olhos. Não queria entregar-se.
 
Ela foi para perto do biombo e diminuiu um pouco mais a luz. Acendeu outra vela aromática e retornou para seguir sua massagem.
 
Desta vez começou pelos pés. Percorreu cada ponto reflexo dos pés fazendo cada parte de seu corpo se renovar. Subiu pelas pernas e coxas mantendo sempre o mesmo ritmo de pressão. 'Pôrtos parecia dormir' pensava ela. 'Eu poderia estimulá-lo de uma maneira diferente, vamos ver o que acha' e subiu lentamente suas mãos pela virilha. Cada vez mais pressão e ritmo até chegar em sua cintura e então diminuiu o ritmo. A música neste instante estava suave, tocava Watermark. Ela então encostou sua mão suavemente em seu músculo incontido e iniciou ali seu ponto alto da massagem. Numa sequência de movimentos repetitivos e com as mãos umedecidas pelo óleo, pôs-se a incentivá-lo. Pôrtos não resistiu e se entregou. A suavidade da sala foi tomada pelo calor dos dois corpos. Sua massagem foi finalizada com uma fina brisa que tocava Selena. O pingos de sua pele branca eram tão brilhantes que ele sentiu todo seu vigor voltar ao seu corpo.
 
Saiu da sala e parou diante de um dos quadros: 'Miró' e sorriu.
 
Mila o conduziu à saída e despediu-se com um ligeiro "até breve".