quinta-feira, 7 de julho de 2011

Inspiração carregada

Não saio com um fone de ouvidos colado aos ouvidos distraindo-me com alguma novidade do mundo da música, simplesmente para que as minhas idéias ou apenas meus logos sejam fluídos com mais intensidade, sem distrações. Noutro dia um parzinho de olhos azuis mirou-me com tamanho afinco que tropecei na tampa do bueiro e nem me dei conta de que já estava no meio da rua, quando uma buzina trouxe-me de volta.

As portas do hospital parecem triângulares deste ponto de vista de um atropelado. Os olhos azuis foram substituídos por olhos puxados, que com acuidade mediam todos os meus sentidos. Foi quando uma voz soou ao fundo.

__Está tudo bem com ele. Não quebrou nada. Está apenas descansando por conta dos sedativos. Amanhã sairá daqui bem.

Não consegui entender o final daquela soação, mas foi suficiente para saber que estava bem. Pude relaxar e pensar em palavras das mais doidas e, em alguns casos, espúrias. É o que realmente acontece quando minhas palavras se esvaem de minha cabeça.

Assim pude perceber qual nota musical mais me atrai. Em lá menor soa-se os corrompidos ventos de uma saudade que quanto mais longe, mais intensa. Sacudo então a poeira dos dedos e uma face surge em meio ao caos do sol. Parece absorta em seus pensamentos com seus algorítmos tentando descobrir qual o próximo passo, o próximo namorado. E eu aqui... "Ela não me percebe?". E nisto não vi mais nada. Apenas rua, poças de água. Tampas de bueiro querendo explodir sob meus pés e os traços finais de um perfume doce que ainda me faz vibrar com cada curva que se foi. Era uma espetacular obra do divino.

Passei ao próximo passo, mas não conseguia erguer a cabeça. O chão tinha uma pintura diferente e módica. Quis sentar-me ali na barata ribeiro e apenas observar o movimento dos carros, ver se alguma deusa passava e solicitava um poema. Tamanha pretensão não poderia acabar diferente. Os olhos azuis cruzaram pela Duvivier e foram em direção à luz do sol. Nisso me levantei e quis segui-la, apenas para ter mais alguns segundos e poder ter mais uma folha de inspiração para o próximo poema. Não me dei conta. Estava abduzido por aquela aura. Não ouvi sons e não vi as cores do farol. Só me lembro do som intermitente e silencioso do gotejar do soro. E na mente apenas, digo apenas e eterna, lembranças de mais um fino traço de uma inspiração carregada...