quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Caio

Certo de que sua força estava esvaindo-se na penumbra de sua vida, Caio sentou-se na beirada de sua cama e tentou, em vão, recobrar o que o levou a tão profunda tristeza. Sentiu a morte de seu tio em sua garganta. Sentiu a água suja que tomou, o garrafão sendo aberto por seu pai. A porta da cozinha estava aberta. Alguém gritou do lado de fora, mas já era tarde. Correu para fora e não havia ninguém. Apenas um vazio estava lá.

Caio estava sentando ainda à beira de sua cama. Acordou com os sonhos rodeando sua cabeça. Sentiu medo de que não fosse sonho, mas mesmo assim decidiu levantar-se e seguir com sua rotina diária. O banho foi rápido e vestiu-se na mesma velocidade de sempre. Dispensou o café que estava na mesa. O estômago não estava muito bom. Já na rua observava a todos. As crianças em direção à escola. Os adultos indo trabalhar. Os idosos limpando a frente de suas casas. Tentou dali relembrar-se de sua infância, dos primeiros dias de aula. A procura por sua mãe que saía pelo portão. O choro. Relembrou-se de várias passagens de seus dias escolares, formatura, brigas, romances, provas. Já adulto trabalhou. O sentido que pôde levar disto, da vida, é de que toda fase que marca muito, passa rápido. No fim sobram as mãos enrugadas varrendo a calçada.

Ele sentia sua força esvaindo-se na penumbra de uma vida marcada por muitos erros. Talvez o 'não' que tivesse que ter dito traria hoje paz ao seu coração. Dizer não no momento certo é mais útil do que se enganar e confundir seu coração com dias de tristeza. Ninguém gosta de ser triste, mas é a única saída quando não há mais saída. Precisa neste instante recompor, refazer e, refazendo, pautar as lições. Caio não queria fugir de suas lições, mas estava fraco.

__ O que há com você, Caio? - ele havia chegado ao trabalho, sentado em sua mesa, mas absorto não disse bom dia a ninguém. Maria, sua companheira no trabalho, percebeu.
__ Não é nada. Até a tarde isto passa. Só estou meio cansado.
__ Se precisar de algo ou se precisar conversar, me avise. - ela disse num tom suave, tentando confortá-lo e fazê-lo ficar à vontade.

Ele ligou seu computador e passou rapidamente as notícias do dia anterior. Havia uma pilha de pautas nos papéis que rodeavam sua mesa. O editor chefe pediu-lhe que escrevesse algo sobre a inauguração da praça central. Haviam desconfianças em alguns membros da sociedade jurídica da cidade de Régis Soto de que a obra estaria superfaturada. Caio não estava com cabeça para escrever nenhuma linha sobre isso.

"Isto é a vida real" pensava consigo.
__ Isto é a vida real.
__ Disse algo, Caio? - Maria perguntou-lhe.
__ Não. Pensei alto. Desculpe.
__ Desculpa? - perguntou ela surpresa. - Por que?
__ Estou muito abatido. Perdi muitos amigos nesta semana.
__ Como isto aconteceu?
__ Foi uma pedra.

Neste momento ela não sabia o que pensar. Atirou-se para dentro de si tentando alinhar esta última fala de Caio com algo que ela já ouvira em outro momento. Ficou pensando, mas com os olhos fixos nele.

__ Como assim, Caio?
__ Foi uma ajuda, um fio de esperança de ver as coisas mudando, mas a mudança foi morro abaixo. O peso em minhas mãos foi tanto que arrancaram meu braço.

Maria instintivamente correu os olhos nos braços do rapaz. Ele percebeu.

__ Não, Maria, não arrancaram meu braço. Foi um modo de dizer!
__ Eu sei, seu bobo. - ela disse, toda corada de vergonha.
__ Arrancaram de mim uma vontade de articulação de felicidade. Preciso de um tempo para alinhar toda a minha vida novamente aos meus objetivos.

'perdi vinte em vinte nove amizades, por conta de uma pedra em minhas mãos'

__ O que você esta cantando? - Caio perguntou levantando a sobrancelha para Maria.
__ Nada. Preciso voltar a trabalhar. Fica bem rapaz... - ela cantou um trecho de Vinte e Nove da banda Legião Urbana.

Entendi tudo! Pensava ela sobre o rapaz...


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